A Importância da mobilidade do pé e do tornozelo para prevenir dores nos joelhos e lombalgia
Sempre com o objetivo de trazer conteúdo de extrema relevância aos profissionais e praticantes de atividades físicas, o conteúdo abaixo é uma colaboração de Ivan Jardim, Diretor e responsável técnico na R2FT: Rehabilitation to Functional Training.
Hoje em dia se fala muito sobre a importância da mobilidade física, seja para a prática de esportes, seja para a melhoria do padrão de movimentação nas Atividades de Vida Diária.
Mas por que a mobilidade física é tão relevante? E, se ela é essencial, o que podemos fazer para ampliá-la? Continue lendo para descobrir.
A intervenção mais simples, no sentido de cuidados com a saúde, é começar a caminhar.
No entanto, sair caminhando sem saber como estão seus pés, tornozelos, joelhos e quadril pode trazer surpresas desagradáveis, como o surgimento de dores nos joelhos, fasceíte plantar, dor lombar entre outros problemas.
Uma avaliação completa de todas as articulações envolvidas na caminhada; assim como o estado dos músculos, fáscia e tendões, foge ao escopo introdutório deste artigo. Neste momento, iremos deter nossas considerações no plano articular, o quanto a eficiência da caminhada depende de um correto alinhamento, da preservação da amplitude articular nos limites fisiológicos assim como da perfeita sincronização entre todas as articulações da extremidade inferior.
Para entender a mecânica da deambulação, antes, precisamos realizar uma leitura da passada em termos de transferência de energia do sistema miofascial para o solo e vice-versa.
A passada possui duas fases: a fase de contato do pé com o solo e a fase aérea.
Durante a fase aérea, existem duas formas de energia atuando no sistema: a energia potencial gravitacional e a energia cinética.
A energia potencial gravitacional refere-se ao produto da massa do corpo pela altura do centro de massa em relação ao solo vezes a aceleração da gravidade.
Epg = mΔhg
Onde:
Epg: energia potencial gravitacional
M: massa do corpo
g: aceleração da gravidade (9,8 m/s²)
Δh: variação da altura do centro de gravidade em relação ao solo
A energia cinética refere-se ao produto da massa do corpo pelo quadrado da velocidade dividido por dois.
Ec = mv²/2
Onde:
Ec: Energia cinética
m: massa do sistema
v: velocidade do sistema
A soma destas duas componentes, que são aplicadas ao solo durante a fase de contato, é a quantidade de energia que o sistema miofascial necessita absorver que a partir deste momento passaremos a chamar de energia do sistema.
Durante as últimas décadas os pesquisadores do movimento passaram a incorporar a ideia de que o sistema locomotor se utiliza dos componentes elásticos dos tecidos miofasciais a fim de reciclar a energia do sistema.
A capacidade de recrutar estes elementos elásticos pelo sistema locomotor somada à amplitude articular de todas as articulações envolvidas na passada, provê a eficiência do sistema locomotor durante a deambulação.
Foi verificado que, em longas passadas, tais como na corrida, a componente gravitacional não somente facilita a fase aérea da passada como também recruta inúmeros mecanismos elásticos que temporariamente capturam a energia cinética do sistema auxiliando a reciclar a energia de volta ao sistema locomotor.
Desta forma, a eficiência da passada é otimizada pelas interações entre os músculos intrínsecos e extrínsecos do pé e a fáscia profunda que estabiliza estas estruturas.
As pesquisas demonstram que o colágeno em série e em paralelo interagem com os demais tecidos miofasciais adjacentes, durante a atividade rítmica da deambulação, a fim de reduzir a atividade muscular excêntrica e concêntrica dos músculos mantendo-os quase em isometria. Este mecanismo está por detrás da economia de corrida.
Por exemplo, o colágeno em série dos flexores plantares (tibial posterior, gastrocnêmico e solear) armazena o momentum (energia potencial gravitacional somada com a energia cinética) do sistema quando na fase aérea a fim de reverter a pronação que ocorre durante a fase intermediária da passada no que se chama de “efeito windlass” ou efeito molinete cuja função é retornar o arco plantar e travar a parte anterior e posterior do pé preparando para a fase de propulsão.
Foi demonstrado que o tendão de Aquiles realiza ciclos de encurtamento e alongamento (CEA) durante a passada.
Em movimentos desta classe – CEA - as fibras musculares praticamente se mantém em contração isométrica enquanto que as estruturas de colágeno em série e em paralelo absorvem a energia transferida do solo para o sistema.
Contudo, a eficiência deste mecanismo de absorção e liberação de energia depende da existência de uma concatenação sinérgica entre os movimentos articulares envolvidos no movimento
Vale dizer que, se há déficit de movimento em uma das articulações envolvidas na cadeia cinética, haverá algum padrão compensatório na cadeia cinética à montante ou a jusante (acima ou abaixo) da referida articulação.
No exemplo do mecanismo do molinete no arco longitudinal citado acima, se existir restrição de mobilidade tanto na articulação talocrural quanto do primeiro metatarso (quando há hálux limitus, hálux rigidus ou hálux valgo) o pé irá perder alguma capacidade de absorver a energia do sistema, através da redução da eficiência do mecanismo do molinete, fazendo com que se delineiem as condições propícias para o surgimento de fasceíte plantar e/ou disfunções miofasciais na panturrilha e no retináculo do calcâneo.
No entanto, os padrões compensatórios decorrentes de perda de mobilidade em qualquer articulação do pé não se limitam ao tornozelo ou joelhos.
Modelos computacionais revelam a dependência biomecânica entre os joelhos e o quadril e como este correto acoplamento é essencial para a economia da passada, velocidade e estabilidade da deambulação.
A posição do corpo durante a fase final da propulsão, quando o hálux perde contato com o solo, requer a extensão simultânea do hálux, joelho e quadril.
A perda de extensão (mobilidade) em qualquer uma das articulações acima irá desencadear padrões compensatórios em qualquer outra articulação envolvida.
Qualquer pessoa que tenha tido a experiência de caminhar com algum tipo de restrição em qualquer das articulações envolvidas: primeiro metatarso, subtalar, talocrural, joelho, quadril ou coluna, irá confirmar a necessidade e a importância do correto acoplamento entre cada uma destas articulações de maneira a maximizar a eficiência da deambulação.
Quando há algum tipo de restrição articular no pé ou tornozelo, isto irá se manifestar em sobrecarga no quadril (glúteo médio e mínimo) e na região lombar (quadrado lombar e/ou paravertebrais) através de dor.
Trocando em miúdos, a redução na amplitude articular cria a necessidade de maior trabalho concêntrico durante a fase de propulsão.
Implicações clínicas
Pacientes com dor lombar e/ou no quadril devem receber uma completa avaliação da extremidade inferior no que concerne mobilidade articular (ângulo de dorsiflexão do hálux, hálux valgo, pés planos, excesso de pronação da articulação subtalar, articulação talocrural e disfunção miofascial (fasceíte plantar, “pés duros”).
Antes de prescrever qualquer atividade física, aeróbica principalmente, avalie a condição dos pés de seu cliente para a existência de limitação de dorsiflexão do hálux, tendo em vista que a existência deste problema torna a pessoa susceptível à fasceíte plantar e outros problemas cadeia acima.
Referência
Lesondak D.; Akey A.M.; Fascia, Function and Medical Applications; CRC Press; 2021
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